Piquiá da Conquista: a resistência continua
A luta por justiça e dignidade na comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia, no Maranhão, simboliza um dos mais importantes exemplos de resistência e organização popular no Brasil. Durante décadas, as famílias dessa pequena comunidade foram duramente afetadas pela presença das siderúrgicas instaladas no entorno, algumas delas subsidiárias da gigante Vale. Sem qualquer consideração pela saúde e pelo bem-estar dos moradores, essas indústrias disseminaram poluição atmosférica, barulho ensurdecedor e um pó negro que cobria cada casa, cada rua, cada pedaço de terra da região. Essa poeira, repleta de metais pesados, trouxe consequências devastadoras para a saúde dos moradores, além de abalar a estrutura física e emocional das famílias.
Frente a essa situação, movimentos sociais, como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), JnT (Justiça nos trilhos) e parte da igreja (CEB's), com o apoio de advogados e especialistas em direitos humanos, mobilizaram-se para reivindicar justiça. As denúncias foram inúmeras e incansáveis, incluindo audiências públicas, reuniões com representantes de governos estaduais e até mesmo denúncias em instâncias federais. A luta não era apenas contra o descaso das indústrias, mas, também contra o desprezo das autoridades locais e o silêncio cúmplice de setores influentes que se beneficiavam da exploração econômica, sempre colocando o lucro acima da vida.
Essa mobilização constante teve um alto preço: ao longo dos anos, a comunidade de Piquiá de Baixo viu muitas de suas lideranças serem alvo de perseguições, difamações e humilhações públicas. O povo, organizado e ciente de seus direitos, foi taxado pela elite local como "incômodo" ou "resistente demais" por lutar por algo tão básico quanto uma vida saudável. Muitos foram xingados, excluídos e tratados como cidadãos de segunda classe, simplesmente por almejarem o direito de viver sem respirar um ar contaminado, sem ver seus filhos adoecerem por falta de controle ambiental.
Após anos de batalha e muitas vidas perdidas por doenças respiratórias e outros males causados pela poluição, a comunidade finalmente conseguiu conquistar o direito a um reassentamento digno: Piquiá da Conquista. Esse novo lar, além de uma moradia, representa a vitória sobre um sistema que tentou, de todas as formas, silenciar suas vozes. Piquiá da Conquista não é apenas um nome; é o símbolo de uma resistência que se recusou a se calar frente à injustiça. Para as famílias, essa mudança é uma verdadeira vitória sobre a opressão imposta por interesses empresariais que nunca se preocuparam com o sofrimento humano.
Infelizmente, mesmo em um momento de celebração, a sombra da hipocrisia se fez presente. Ontem, na cerimônia de entrega das novas casas, alguns representantes da elite política e empresarial local tentaram se apropriar da conquista do povo. Até então ausentes na luta por um Piquiá de Baixo livre e sadio, agora surgiam para tirar fotos e aparecer ao lado das famílias, como se fossem responsáveis por essa vitória. Esse oportunismo explícito revela um jogo de interesses mesquinho, onde a dor e o suor do povo se transformam em palco para aqueles que, historicamente, não moveram um dedo em prol da justiça social.
As famílias de Piquiá de Baixo, que durante anos suportaram condições desumanas, merecem respeito e reconhecimento, não a apropriação leviana de seu momento de triunfo. A presença de políticos e empresários que nunca apoiaram a luta da comunidade demonstra uma falta de sensibilidade e ética. Essas elites, que viam o sofrimento do povo com desprezo e distanciamento, buscam agora um lugar de destaque em um palco que nunca foi o deles. Essa atitude revela não apenas um desprezo pelo sofrimento alheio, mas também uma total falta de compromisso com os verdadeiros valores de justiça e igualdade.
Enquanto a comunidade celebra, é preciso lembrar e reconhecer aqueles que sempre estiveram presentes: as lideranças comunitárias, os movimentos sociais e as CEB's (Comunidades Eclesiais de Bases), que nunca abandonaram a luta. Nesse período de luta do Piquiá de Baixo, algumas lideranças partiram e não viram a vitória acontecer. Portanto, a vitória é deles também e é para eles, principalmente.
Essas entidades enfrentaram obstáculos imensos, ocupou-se muitas vezes a BR-222 e as entradas das indústrias. Suportaram ataques daqueles que preferiam manter o povo do Piquiá de Baixo silenciado e resignado. São essas vozes de resistência que merecem ser aclamadas e não figuras públicas que agora aparecem como "aliadas" de última hora.
A história de Piquiá de Baixo, hoje, "Piquiá da Conquista" não termina aqui, e o reassentamento em Piquiá da Conquista é apenas o começo de um novo capítulo, em que o povo pode, finalmente, respirar um ar livre da contaminação e viver com dignidade. Este é um exemplo de que a luta organizada, embora longa e árdua, traz conquistas reais e palpáveis. Que essa vitória sirva de inspiração para outras comunidades, para que jamais deixem de lutar por seus direitos, mesmo quando confrontadas por gigantes econômicos.
Neste momento de conquista, é fundamental recordar que a vitória pertence ao povo de Piquiá, que jamais desistiu. Que aqueles que agora se apresentam como "aliados" saibam que o povo tem memória, e que a história não esquecerá quem de fato esteve ao lado de Piquiá de Baixo quando tudo parecia perdido.
Abaixo, carta encontrada na rede social do JnT:
A entrega das chaves para as 312 famílias do reassentamento Piquiá da Conquista representa muito mais do que um marco físico – é a consagração de uma luta de duas décadas, um resgate de dignidade e uma prova da resistência contra o impacto devastador da poluição industrial. A cada chave entregue, emoções transbordaram: lágrimas, abraços e uma sensação de alívio, misturada com a força de quem jamais desistiu, mesmo diante das adversidades. Os rostos, marcados pelo tempo e pelas dificuldades, hoje brilham com a esperança de uma vida mais justa e segura. Na cerimônia solene, Andrea da Silva Machado, moradora e integrante da Associação Comunitária dos Moradores de Piquiá (ACMP), deu voz à comunidade ao ler uma carta-manifesto repleta de agradecimentos e reivindicações, reforçando que a luta continua até que a reparação integral seja alcançada. Em suas palavras ecoaram as dores e esperanças de um povo que sentiu na pele as consequências de um desenvolvimento que os deixou à margem, mas que nunca se calou. A carta foi um apelo poderoso por justiça e compromisso das autoridades, recebida com aplausos e uma reflexão profunda entre os presentes. Ao final, Andrea entregou a carta ao Ministro das Cidades, Jader Filho, e às demais autoridades presentes, em um gesto que simbolizava o compromisso de que a luta por justiça ambiental e dignidade não termina com a entrega das chaves. Após a leitura, membros da ACMP, da Justiça nos Trilhos, dos Missionários Leigos Combonianos e outros parceiros que acompanharam a comunidade ao longo dos anos realizaram a entrega das chaves e dos kits para banheiro, cozinha e torneiras. Cada entrega carregava simbolicamente a união e a força coletiva das organizações e pessoas que se dedicaram incansavelmente ao lado dos moradores, tornando possível essa conquista. Esse gesto de entrega direta, feito por aqueles que caminharam junto com a comunidade, reforçou a emoção do momento e a importância de uma vitória construída por muitas mãos e corações comprometidos com a justiça e a dignidade. Esse evento, marcado por tantos significados, não representa o fim, mas um novo começo para a comunidade de Piquiá.
COMUNICAÇÃO JnT
Conhecereis a história e saberás da verdade…
ResponderExcluirE a verdade venceu para aqueles que lutaram. Obrigado por interagir!
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